Thomas Kuhn desenvolveu o conceito de revoluções científicas para descrever a forma como a ciência opera e se desenvolve. Vale notar que, ao contrário do que ocorre com o Falseabilismo de Karl Popper, a abordagem de Kuhn é muito mais descritiva do prescritiva, e se baseia muito mais em investigações históricas do que na lógica pura.
Kuhn introduz com sua teoria a noção de paradigmas segundo os quais uma ciência opera em um determinado período, bem como o conceito de revoluções científicas processos pelos quais se dá a troca de paradigmas em uma área do conhecimento. Segundo Kuhn, a ciência se divide em períodos de ciência normal e ciência revolucionária. A transição entre esses períodos forma um ciclo que, para Kuhn, é o motor do desenvolvimento da ciência.
Um paradigma compreende um conjunto de teorias, métodos, instrumentos e regras metodológicas que guiam uma comunidade científica, mas além disso, o paradigma dita também uma forma de ver e interagir com o mundo. Para Kuhn, um paradigma é indissociável de sua comunidade científica, na verdade o próprio conceito de comunidade científica se define em termos de um conjunto de pessoas que partilham de um mesmo paradigma. O paradigma é transmitido dentro da comunidade principalmente através do processo de ensino e manuais da área. É através do processo de ensino e dos manuais que os jovens ingressantes na área são ensinados e capacitados para exercerem sua função de acordo com o que dita o paradigma vigente.
Período pré-paradigma
O período pré-paradigma compreende o período inicial de uma nova área de pesquisa. Caracterizado pela constante competição entre várias correntes de pensamento, esse período não apresenta um paradigma estabelecido. Pela falta de um corpo teórico comum, o desenvolvimento da ciência nesses períodos não apresenta consistência de métodos e regras para as pesquisas, resultando em um caos entre a produção científica dos diferentes grupos. Outro ponto importante é que a própria observação é comprometida nesse período. Um dos papéis dos paradigmas é guiar quais fatos e observações são relevantes para serem estudados pela comunidade científica. Com a absência de um paradigma, não há distinção entre as diversas observações e possíveis problemas relevantes para a pesquisa. Por conta disso, a ciência nesse período enfrenta diversos obstáculos para seu desenvolvimento.
O fim de um período pré-paradigma se dá apenas quando uma das correntes de pensamento se sobressai em desenvolver alguma teoria ou conjunto de teorias que é capaz de atrair grande parte dos cientistas de todas as correntes a trabalharem sob uma nova base teórica comum. A instauração de um paradigma é o primeiro sinal de amadurecimento de um campo do conhecimento, e geralmente indica o início de um importante período de desenvolvimento na área.
Com o estabelecimento de um paradigma, eliminam-se as divergências sobre os fundamentos daquela área científica. Com o fim dessas divergências, a prática científica dessa comunidade passa a ser uma atividade orientada e com um escopo definido pelo paradigma. Como existe uma base de conhecimentos comuns aceita pelo grupo, não há a necessidade de reafirmar e justificar todas as bases de uma pesquisa feita dentro de um paradigma, pois essas bases são comuns e aceitas como válidas para todos os pesquisadores daquele campo. Isso implica também que essa área de pesquisa pode avançar mais rapidamente e irá se especializar cada vez mais. É a partir desse ponto que uma determinada área do conhecimento se torna menos acessível para o indivíduo que não está inserido naquele grupo de pesquisadores, com um maior volume de publicação de artigos tratando de tópicos específicos e dirigidos à outros pesquisadores do mesmo segmento ao invés de livros e manuais que enunciam e discutem os fundamentos do paradigma em questão e buscam apresentá-los para um público mais amplo.
Ciência normal
A ciência normal consiste nos longos períodos nos quais a ciência é praticada de forma consistente e sem perturbações, o “dia a dia” do cientista. Nesse período o foco não são novas descobertas ou revoluções, e muito menos o falseamento das teorias vigentes, mas sim o aprofundamento e articulação do paradigma e a condução de experimentos (cujo resultado já é esperado e previsto pelo paradigma) dentro do mesmo. Nesse período se dá grande parte do desenvolvimento e aperfeiçoamento das teorias e instrumentos do paradigma, aumentando o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado.
A principal característica de um período de ciência normal é o fato de toda a comunidade científica trabalhar de acordo com o paradigma atual. Dessa forma, todos partilham dos mesmos pressupostos e bases teóricas ditados pelo paradigma. Assumindo um conjunto de pressupostos comum, a ciência se desenvolve de uma maneira muito eficiente. De fato, nos períodos de ciência normal há uma sensação de progresso linear e ágil da ciência, pois o contexto do paradigma favorece tal forma de progresso.
Em períodos de ciência normal, a atividade principal dos cientistas é o que Kuhn chama de puzzle solving. Essa atividade consiste em buscar resolver e problemas que o paradigma considera relevante, aperfeiçoar teorias e adequá-las à natureza observada. Dessa forma, a atividade de puzzle solving permite um refinamento do paradigma vigente, aperfeiçoando a relação entre sua área conceitual e a experiência. Vale destacar que o desafio apresentado pelos puzzles é uma parte importante da motivação do cientista para sua pesquisa.
Anomalias e crises
Apesar do processo da ciência normal não ter por objetivo descobrir novos fenômenos, muitas vezes acabam-se encontrando anomalias e obtendo-se resultados experimentais que não condizem com as expectativas ditadas pelo paradigma. As anomalias não são de imediato verificadas como tal, elas podem muitas vezes ser suprimidas em um primeiro momento, pois é necessário ainda um processo de assimilação da anomalia até que ela seja considerada como tal. Entretanto, quando identificadas de fato fica evidente a necessidade de adequação do paradigma, para que os resultados anômalos se tornem esperados. Esse processo de adequação muitas vezes encontra resistência dos demais pesquisadores no campo de estudo, e essa resistência é de fato importante para garantir que não hajam mudanças no paradigma por razões triviais.
As mudanças causadas por essas anomalias podem impactar apenas uma área de pesquisa dentro do paradigma como também o paradigma todo, o importante é que após essas mudanças os cientistas possuem mais condições de explicar e interpretar uma quantidade maior com mais profundidade os fenômenos da natureza.
A aparição de uma anomalia não implica necessariamente em uma crise. Entretanto, quando a aparição de anomalias se torna constante, ou seja, quando a resolução de quebra-cabeças é constantemente fracassada pela obtenção de resultados inesperados segundo a teoria vigente, instaura-se uma crescente insegurança profissional dentro do paradigma, e é dessa insegurança que surgem as crises, que precedem a criação e instauração de um novo paradigma.
O fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras.
Enquanto os instrumentos fornecidos por um paradigma se mostram capazes de resolver os problemas definidos pelo mesmo, a ciência se desenvolve de maneira rápida se aprofundando através da utilização confiante desses instrumentos. As crises consistem justamente em sucessivas anomalias que minam a confiança nesses instrumentos, perturbando o processo da ciência normal. Quando isso ocorre, é chegado o momento de dar oportunidade para outras teorias serem levadas em conta e, através dessas alternativas, estabelecer um novo paradigma.
A Resposta à crise
Em momentos de crise, o paradigma atual não é imediatamente descartado pelos cientistas, uma teoria científica consolidada com o status de paradigma só é considerada inválida quando existir uma alternativa para substituí-la.
Com a aparição mais frequente de anomalias, ou de alguma anomalia que faça os pesquisadores questionarem as bases fundamentais do paradigma, instaura-se um estado de crise dentro do paradigma. Nesse estado de crise as anomalias causadoras da insegurança são analisadas diretamente e com maior enfoque, e muitas vezes esses quebra-cabeças podem ser resolvidos dentro das regras do paradigma vigente. No caso em que essas anomalias resistem às tentativas de adequação ao paradigma, instaura-se um estado de ciência extraordinária, que se assemelha muito àquela conduzida nos períodos pré paradigmáticos, com experimentos sendo conduzidos sem presunções sobre os resultados, pois já não há confiança total nas previsões vindas do paradigma.
Instaurada a crise, existem três possíveis desfechos para a área de pesquisa:
- A anomalia consegue ser adequada ao paradigma através da resolução dela como um quebra-cabeça dentro das regras do paradigma.
- A anomalia não consegue ser resolvida, mas por falta de métodos e alternativas ela é categorizada como um problema excepcional a ser resolvido pelas gerações futuras daquele campo de pesquisa. Nesse caso o paradigma não é invalidado, pelo menos não naquele dado momento.
- Surge uma teoria alternativa que, ao contrário do paradigma vigente, é capaz de explicar a anomalia e resolver alguns dos problemas apresentados pelo paradigma atual. Nesse caso, o novo paradigma não é aceito imediatamente, mas inicia-se um processo de transição no qual o novo paradigma é verificado através da sua aplicação nos novos problemas e em problemas já resolvidos pelo antigo paradigma.
Revoluções científicas
As revoluções científicas abrangem períodos breves, de anos ou no máximo algumas décadas. São nesses períodos que ocorre de fato a troca de paradigmas.
As revoluções científicas alteram a visão de mundo dos cientistas. É através de um paradigma que o mundo é compreendido e explorado, logo a mudança do mesmo altera as ferramentas a as concepções pelas quais o cientista percebe e interpreta o mundo ao seu redor. Para Kuhn, o paradigma e as experiências prévias do indivíduo agem de maneira determinante na sua concepção de mundo.
O que um homem vê depende tando daquilo que ele olha como daquilo que a sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver. Na ausência de tal treino, somente pode haver o que William James chamou de “confusão atordoante e intensa”.
Toda experiência está condicionada à um conjunto de pressuposições ditadas por um paradigma. Dessa forma, as diferenças de percepção de mundo não se trata apenas de uma diferença de interpretação, mas sim de uma diferença fundamental daquilo que é percebido pelo cientista.
O debate sobre a escolha de um paradigma é essencialmente circular, pois até mesmo a experiência e a percepção de mundo é orientada de alguma forma por um paradigma, dessa forma não há premissas universais que estejam fora do escopo de algum paradigma, ou seja, cada grupo utiliza as concepções de seu próprio paradigma para argumentar a favor do mesmo.
Na escolha de um paradigma - como nas revoluções políticas - não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante.
Dessa forma, o debate sobre a escolha de um novo paradigma apresenta um problema fundamental: não é possível decidir através de critérios puramente objetivos entre dois paradigmas. Isso implica que os critérios na decisão entre dois paradigmas por uma comunidade científica são, em boa medida, subjetivos.
A competição entre paradigmas não é o tipo de batalha que possa ser resolvido por meio de provas.
Dessa forma, muitas vezes a mudança total de paradigma só ocorre com a morte de seus últimos defensores, com uma nova geração de cientistas sendo orientada desde o início pelo novo paradigma. Entretanto, é possível a “conversão” para um novo paradigma, mas as razões para isso são diversas, e frequentemente muito particulares ou psicológicas.
Dito isso, Kuhn defende que um novo paradigma inicialmente atrai novos adeptos pelas mais diversas razões, muitas delas psicológicas e estéticas. Entretanto, com o desenvolvimento e exploração das possibilidades do próprio paradigma através de seus primeiros adeptos, passam a surgir mais argumentos técnicos e objetivos (ainda com o problema incomensurabilidade de ambos os paradigmas, e a falta de um campo de discussão produtiva entre ambos) que passam a converter novos adeptos. Esse processo se sucede, até que a maior parte da comunidade científica daquela área tenha adotado o paradigma como guia de suas atividades científicas cotidianas.
O progresso através de revoluções
A noção de progresso na ciência geralmente é de algo linear a acumulativo. Para Kuhn, essa visão é reforçada pelos manuais científicos e materiais didáticos das áreas do conhecimento. Isso ocorre porque esses manuais tendem a apresentar o paradigma científico atual como algo a-histórico, isto é, algo que sempre teve os mesmos fundamentos desde a origem do campo de estudos e que se desenvolveu de forma acumulativa até se tornar o que é no presente. Dessa forma, as revoluções científicas se tornam menos perceptíveis ao estudante da ciência contemporânea e até mesmo aos profissionais de uma área que não presenciaram pessoalmente uma mudança de paradigma.
Entretanto, para Kuhn o progresso da ciência não se dá de forma linear, e sim através das revoluções científicas, períodos conturbados e que resultam em uma total mudança na visão de mundo dos pesquisadores da área. Ainda assim, Kuhn admite que não há ainda uma resposta definitiva para a forma de progresso da ciência e das outras áreas do conhecimento.
A própria ideia de progresso é também algo a ser discutido. Por vezes, é tomado como “progresso” de uma ciência o processo de adequação dela à natureza, a um conjunto de verdades universais que compõe o mundo material. Entretanto, pela forma como a própria observação e experiência estão condicionadas a um conjunto prévio de elementos conceituais e outras experiências, a “verdades” da natureza nunca podem ser de fato percebidas. Dessa forma, a ideia comum de progresso é guiada por um objetivo inatingível e fundamentalmente incompreensível.
Ademais, nas próprias revoluções científicas a ideia de progresso é inerente a mudança de paradigma. Isso ocorre pois os membros do novo paradigma estabelecido o consideram um progresso sobre o paradigma antigo. Isso é natural, e de fato em algum sentido as revoluções científicas possam ser assimiladas como um progresso, mas não há nenhuma maneira objetiva de julga-las como tal.
Tais considerações sugerirão, inevitavelmente, que o membro de uma comunidade científica amadurecida é, como o personagem típico do livro 1984 de Orwell, a vítima de uma história reescrita pelos poderes constituídos - sugestão aliás não totalmente inadequada. Um balanço das revoluções científicas revela a existência tanto de perdas como de ganhos e os cientistas tendem a ser particularmente cegos para as primeiras.